quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O dia em que o PT paulista errou a mão

O dia em que o PT paulista errou a mão

Maria Inês Nassif, no Valor
O prefeito Gilberto Kassab (DEM), reeleito com 60,72% dos votos dos paulistanos, contra 39,29% da petista Marta Suplicy, teve proporcionalmente a segunda maior votação na história de São Paulo, atrás apenas da de Jânio Quadros, em 1953; conseguiu que o DEM, ex-PFL, que nunca teve qualquer expressão no Estado, botasse os pés triunfalmente na capital; enfrentou um obstáculo "moral" colocado à sua frente pela adversária e não foi abatido pelos ataques, mesmo disputando num colégio eleitoral reconhecidamente conservador; terminou as eleições com muito menos rejeição do que entrou. Ainda assim, não é factível dizer que Kassab é um grande líder popular, porque não é; da mesma forma como não parece razoável considerá-lo como depositário de uma transferência eleitoral do governador José Serra (PMDB), porque isso não aconteceu em quase nenhuma capital do país e não há indicações de que tenha ocorrido aqui. A hipótese mais razoável para essa estrondosa vitória é que Kassab ganhou porque o PT perdeu. (...)

Nessa eleição paulistana, não apenas Kassab conseguiu bater recordes históricos. Nunca antes na história do PT paulistano os índices de rejeição do partido chegaram a níveis tão altos - bateram os 40% pouco antes de 26 de outubro, segundo o Ibope. Nunca antes na carreira política de Marta sua rejeição atingiu a proeza dos 50%, como aconteceu agora.

De fato, São Paulo é uma cidade conservadora, mas é difícil atribuir só a isso esses níveis de rejeição.

Principalmente se considerando que o PT, até por essa característica da capital paulista, deu uma radical guinada à direita para tornar-se uma possibilidade de poder. (...).

Alguma barreira muito grande foi interposta entre o eleitor e o PT nessas eleições. A primeira indicação disso é que Marta começou o processo eleitoral com 41% das intenções de voto, caiu para 39% na pesquisa do Ibope feita no fim de agosto e ficou nesse patamar até o fim das eleições. Marta teve 39,3% dos votos no dia 26 de outubro.

Conseguiu agregar à sua votação no primeiro turno apenas 6,69 pontos percentuais, enquanto Kassab praticamente arregimentou a totalidade dos votos dados a outros candidatos no primeiro turno - aumentou 27,11 pontos percentuais.

A primeira conclusão que se pode tirar desse fracasso eleitoral é que Marta, hoje, mais subtrai da votação do partido que agrega, visto que sua rejeição é maior que a do partido. No Rio, o PT, que quase não tem votos, tem uma rejeição de 14%; em Belo Horizonte, é de 18%. (...) Se o conservadorismo fosse um muro intransponível, a que atribuir, por exemplo, a vitória de Luiza Erundina em 1989, ou da própria Marta, em 2000? É mais plausível imaginar que, na tentativa de cativar um eleitorado conservador, a campanha de Marta tenha ido tão para a direita, inclusive assumindo o julgamento moral, moralista mesmo, que tenha levado o eleitor a desconsiderar o fator ideológico na hora de votar, preferindo eleger alguém que não tivesse uma postura tão ofensiva. (...)

A guinada não apenas de Marta, mas de todo o PT paulistano, não foi apenas uma determinação do staff de campanha. É engraçado como as interpretações sobre a imensa derrapada da campanha petista, vinda dos adeptos de sua candidatura, demonstram uma grande identidade com a idéia de que a política é a adesão a uma guerra suja - e tornar-se competitivo, segundo essa idéia, é despojar-se dos escrúpulos e acabar com a "hipocrisia".

A "hipocrisia" seria jogar limpo numa guerra suja. Minha coluna de duas semanas atrás, que comentava a derrapada da campanha de Marta, reproduzida no blog de Luís Nassif, produziu 111 comentários - a maioria esmagadora deles indignada com a "hipocrisia". O argumento básico era o de que, se em algum momento Marta teve a vida devassada na política, adquiriu o direito divino de devassar a vida de quem quer que seja - uma espécie de crédito para fazer julgamentos morais de adversários; se o PT foi vítima disso, Marta, como petista, tem direito de fazer com outros; que é relevante, sim, numa eleição, saber se o candidato é homossexual ou não (não entendi os argumentos que defendem a relevância desse nobre tema).

Para não parecer exagero, cito algumas frases: "comentários desse tipo (de que o homossexualismo não é tema de campanha) ficam melhor lá no esgoto (é estranho mas é isso mesmo: jogar limpo, só lá no esgoto)"; "se Kassab for gay mesmo - eu sempre achei que fosse - é muita hipocrisia essa histeria toda"; "a Marta estimular o povo a ver que, além de mentiroso, o cara é tanga-frouxa, aí é errado?"; "a política é uma guerra e, numa guerra, não há limite e estamos na luta, onde vale tudo"; "agora vem a senhora, com a lição de moral em cima da Marta".

O problema de São Paulo é que os partidos julgam a maior capital do país tão conservadora que, para vencer uma eleição, fazem uma disputa para ver quem é mais conservador do que o outro. Nisso, é impossível ver, por exemplo, qual a diferença entre eles e os ex-malufistas. Quem sabe o fracasso retumbante do PT se explique por aí. Pelo menos, é o que a "dona Maria Inês" (assim fui fartamente chamada pelos simpáticos adeptos do martismo, que reclamam que Maluf a chamava de "dona Marta" em tom depreciativo) acha.

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