quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Vi o Mundo por Luiz Carlos Azenha

O QUE OS DEMOCRATAS APRENDERAM COM OS REPUBLICANOS

Vou fazer um balanço de várias coisas que escrevi ao longo dos anos neste site. Uso os Estados Unidos como exemplo por um motivo simples: passei lá, baseado em Nova York, a maior parte de minha vida profissional. E acompanhei de perto os embates políticos entre conservadores e liberais, o que no Brasil equivale, respectivamente, à direita e à esquerda, ao PSDB e ao PT.

Lembrem-se que nos Estados Unidos uma gama variada de opinião, especialmente à esquerda, não sai na mídia corporativa, especialmente aqueles que se dedicam à crítica da própria mídia.

Porém, essa gente tem outras plataformas para atingir o público: o mercado editorial é gigantesco e há um grande número de editoras "alternativas"; a banda larga está disseminada e há organizações não-governamentais que se dedicam especificamente a fazer o trabalho de watchdog, cão de guarda, da mídia.

É por isso que gente "do contra" consegue falar nos Estados Unidos. No Brasil, seja pelo controle editorial centralizado -- como o que Ali Kamel desempenha nas Organizações Globo --, seja pela má qualidade dos novos jornalistas e do "novo Jornalismo" -- profissionais sem formação crítica, produção de notícias em massa, sem qualquer contextualização -- quem pensa diferente é jogado para escanteio.

É importante que você, caro leitor, se dê conta de que isso não é irrelevante. Quem faz parte da "panela" tem um sem número de vantagens: garantia eterna de emprego, aumentos salariais, ascensão rápida, promoção dos livros que escreve, dentre outros. É sedutor para qualquer jornalista puxar o saco não só do patrão como de interesses políticos e econômicos que, lá na frente, poderão recompensá-lo.

O Luís Nassif já tratou de aspectos relativos ao uso da mídia em disputas comerciais, cujo exemplo mais grotesco é o engajamento de O Estado de São Paulo, Folha de S. Paulo e revistas Veja e IstoÉ nos interesses associados ao banqueiro Daniel Dantas.

Aqui vou tratar, portanto, apenas do aspecto político.

MATRIZ DE OPINIÃO

O ativismo dos neocons é um belíssimo exemplo a ser estudado. Os intelectuais fundadores do "movimento" -- que se organizou para defender uma política externa ativista dos Estados Unidos, de defesa de Israel e de combate ideológico à esquerda em geral -- migraram do Partido Democrata para o Partido Republicano entre os anos 70 e 80.

Washington, uma cidade que nunca teve uma "elite intelectual" comparável à burocrata, era um vazio que foi preenchido pelos neocons, muitos dos quais eram ex-trotskistas. Eles se organizaram em torno de algumas revistas e alguns institutos financiados pela iniciativa privada. E passaram a disseminar a sua "matriz de opinião" nas publicações, em livros, palestras e na crítica a integrantes do governo.

Na internet, o Drudge Report passou a ser o endereço dos neocons. Nas rádios, Rush Limbaugh passou a disseminar o pensamento dos conservadores.

O problema dos neocons é que faltava a eles "povo", ou "a militância". O problema foi resolvido quando eles fizeram aliança com a direita religiosa dentro do Partido Republicano. Ainda que fossem seculares, os neocons abriram espaço em suas publicações para as causas queridas à coalizão religiosa que juntou católicos, evangélicos e judeus conservadores.

Dentre elas o combate ao aborto, ao ensino do evolucionismo nas escolas públicas, à separação entre Estado e Igreja e o apoio ao financiamento público de programas organizados por instituições religiosas.

Essa atuação se deu mesmo quando a coalizão não estava no poder. No primeiro governo Clinton, o projeto de criar um sistema nacional de saúde, idealizado pela primeira dama Hillary, foi derrotado no Congresso depois de uma intensa campanha pública em que grandes interesses econômicos se juntaram aos neocons e à direita religiosa.

A campanha de ataques a Hillary, definida como "bitch", uma "cadela", se parece muito com os ataques pessoais feitos à petista Marta Suplicy depois que ela se separou do marido ou aos ataques feitos pelo blogueiro Reinaldo Azevedo à vereadora Soninha, quando ela ainda estava no PT.

Nos Estados Unidos, o nome de Bill e Hillary foi associado ao suicídio de Vincent Foster da mesma forma que o assassinato de Celso Daniel, em Santo André, foi associado ao PT no Brasil. Foster era advogado da Casa Branca e amigo de Hillary. Ele se matou em julho de 1993.

O site Drudge Report e Rush Limbaugh tiveram papéis essenciais na disseminação de rumores, meias-verdades, boatos e falsidades a respeito de Clinton, no que Hillary mais tarde definiria como "a grande conspiração de direita".

O democrata se reelegeu graças ao bom desempenho da economia, mas o envolvimento do presidente com a estagiária Monica Lewinsky foi a oportunidade que os republicanos esperavam para detonar o legado de Clinton. Apesar de ter presidido os Estados Unidos por oito anos ininterruptos de crescimento econômico, Bill Clinton chegou ao fim do governo tão estigmatizado que foi mantido à distância da campanha de Al Gore.

Com George W. Bush os neocons, enfim, assumiram plenamente o poder. Mas estiveram em campanha permanente, como "vanguarda intelectual" do movimento, desde os anos 90. Dominaram o debate político e intelectual, preencheram cargos no governo e ocuparam espaços na mídia a ponto de tornar a palavra "liberal", que nos Estados Unidos equivale a "esquerdista", um palavrão.

Como é que Barack Obama vem enfrentando a máquina de moer carne dos republicanos, que é especializada em disseminar mentiras, boatos, rumores e meias-verdades?

1) Os democratas dispõem de sua própria rede informal de blogueiros. São os blogueiros "liberais", que se reúnem anualmente na maior convenção do gênero nos Estados Unidos. Os militantes se organizaram em torno do Daily Kos. E os democratas em geral em torno do Huffington Post. Os dois projetos são patrocinados pela iniciativa privada ou por contribuições arrecadadas através da própria internet.

2) Políticos democratas passaram a considerar essa "mídia liberal" tão importante quanto a mídia tradicional. Era comum ver o senador Edward Kennedy dando entrevista a blogs "liberais" dos Estados Unidos. Barack Obama fez o mesmo. Ou seja, os políticos liberais tiraram proveito ao mesmo tempo em que ajudaram a promover essa mídia. Hoje o Huffington Post dá alguns dos maiores furos sobre política nos Estados Unidos.

3) Não deixar ataques sem resposta. A campanha de Obama credenciou um grande número de porta-vozes para responder aos ataques de forma imediata, em todos os meios -- jornais, rádio, televisão e internet. Hoje uma informação falsa ganha o mundo em questão de horas. Combatê-la na fonte é necessário. Quando um livro repleto de inverdades e insinuações foi publicado nos Estados Unidos a respeito de Obama, a campanha já tinha um texto-resposta contestando ponto a ponto o autor.

4) Usar o You Tube. A TV tradicional está perdendo espaço junto aos formadores de opinião. Os jovens não têm mais paciência de esperar as notícias no Jornal Nacional. O You Tube tem um incrível poder multiplicador. Mas é preciso adequar a linguagem. O humor e o deboche são essenciais para qualquer conteúdo na internet, especialmente os destinados ao You Tube. As mensagens devem ser curtas. Barack Obama gravou vídeos para o You Tube: sem maquiagem, sem marqueteiro, sem firula.

5) Denunciar a mídia. Os republicanos conseguiram convencer os americanos de que a mídia do país é "liberal", embora ela tenha se tornado muito conservadora, especialmente depois que Rupert Murdoch começou sua onda de aquisições nos Estados Unidos. Os republicanos sempre fizeram campanha denunciando a mídia. Os democratas só aprenderam a fazer isso com Barack Obama, cuja campanha manifesta publicamente sua discordância do noticiário. Ajudar o público a entender o papel da mídia é esencial, especialmente quando ela se torna protagonista da disputa política.

6) Denunciar publicamente o cinismo alheio. A campanha de Gilberto Kassab foi preconceituosa, especialmente no rádio, quando atacou "Dona Marta" por estar em Paris quando houve enchentes em São Paulo. No entanto, quando a campanha do PT sugeriu que Kassab é homossexual acabou denunciada de forma cínica pela mídia, a mesma mídia que fez gato e sapato de Marta pelo fato dela ter se separado de Eduardo Suplicy e casado com um argentino. O que a campanha de Kassab fez, com a ajuda da mídia, foi transformar o prefeito em "vítima". Os republicanos perpetraram algumas das maiores barbaridades contra adversários políticos nos Estados Unidos e ainda assim posam de "vítimas". A campanha de Barack Obama vai a público para denunciar todas as manobras do adversário, mesmo sem dispor do horário eleitoral gratuito.

7) Finalmente, os seis pontos acima se aplicam a políticos de todos os partidos brasileiros. O protagonismo das empresas de mídia veio para ficar. Acabou, se um dia houve, o Jornalismo como atividade fim. Hoje nossa profissão é vista como atividade meio, para obter vantagens políticas e econômicas. Você, que se julga beneficiado pela mídia corporativa hoje, pode ser vítima dela amanhã

A QUEM SERVIU O ÓDIO À ESQUERDA?

No post anterior falei sobre a ascensão dos neocons nos Estados Unidos, em aliança com a direita religiosa.

Faltou a pergunta principal: a quem serviu o ódio aos "liberais" e aos "esquerdistas", que esteve no centro do discurso disseminado pelos neocons em revistas, seminários, palestras, livros, na internet, no rádio e na televisão?

A quem servem Reinaldo Azevedo, Demétrio Magnoli, Ali Kamel e essa turma no Brasil? Trata-se apenas do bom combate ideológico?

Siga o dinheiro, é o que sugiro. Nos Estados Unidos os institutos que deram empregos e bolsas de estudos aos neocons foram financiados pelos capitães da indústria, que também financiaram revistas como a Weekly Standart e outras através de publicidade.

Alguns dos neocons atingiram um status financeiro notável, não só por conta de seu trabalho intelectual, mas em atividades na iniciativa privada, especialmente na área de consultoria.

Quais as idéias que eles promoveram?

-- Uma política externa ativista dos Estados Unidos, com o uso do poderio militar sempre que necessário.

Beneficiados: os fabricantes de armas.

-- Ataques aos sindicatos como corruptos ou símbolos do atraso.

Beneficiados: empresas que combateram e combatem a sindicalização -- Wal Mart, por exemplo -- como forma de "flexibilizar" o uso de mão-de-obra, cortar salários e benefícios.

-- Ataques ao funcionalismo público como "ineficiente" e custoso para a sociedade.

Beneficiados: todos aqueles que defendiam a redução da carga tributária na versão implantada por George W. Bush.

-- Ataques aos programas sociais do governo, como o "welfare", que dá ajuda a famílias de baixa renda.

Beneficiados: todos aqueles que defendiam a redução da carga tributária das empresas.

-- Ataques a um sistema nacional de saúde como "socializante".

Beneficiados: indústria farmacêutica e empresas de seguros de saúde privados.

-- Ataques ao Social Security, a previdência social dos Estados Unidos, com pedidos de privatização.

Beneficiados: empresas de previdência privada, como as que administram os planos 401(k), em que as aposentadorias rendem de acordo com as ações na bolsa de Valores de Nova York; através do pagamento de taxas e comissões esse sistema transferiu bilhões de dólares dos trabalhadores para as corretoras de Wall Street.

-- Ataques generalizados ao "governo que pesa nas costas do trabalhador" e pregação do "estado mínimo"

Beneficiados: as empresas que tiveram sua carga tributária reduzida; também tiveram os custos reduzidos por conta da desregulamentação do sistema financeiro; da perda de poder das agências fiscalizadoras do governo, dentre as quais a Food and Drug Administration (FDA), encarregada de alimentos e remédios; a FCC (Federal Communications Comission), que zelava por evitar a formação de monopólios da mídia; a EPA (Environment Protection Agency), encarregada de zelar pelo meio ambiente.

-- Ataques ao feminismo e a todos os movimentos sociais organizados.

Beneficiados: os empregadores, com a desmobilização dos grupos de pressão que defendiam direitos.

De acordo com o ex-presidente Bill Clinton, nos últimos oito anos 90% de toda riqueza gerada na economia americana beneficiou aos 10% mais ricos. Agora vocês entendem a quem serviram os neocons?

O dia em que o PT paulista errou a mão

O dia em que o PT paulista errou a mão

Maria Inês Nassif, no Valor
O prefeito Gilberto Kassab (DEM), reeleito com 60,72% dos votos dos paulistanos, contra 39,29% da petista Marta Suplicy, teve proporcionalmente a segunda maior votação na história de São Paulo, atrás apenas da de Jânio Quadros, em 1953; conseguiu que o DEM, ex-PFL, que nunca teve qualquer expressão no Estado, botasse os pés triunfalmente na capital; enfrentou um obstáculo "moral" colocado à sua frente pela adversária e não foi abatido pelos ataques, mesmo disputando num colégio eleitoral reconhecidamente conservador; terminou as eleições com muito menos rejeição do que entrou. Ainda assim, não é factível dizer que Kassab é um grande líder popular, porque não é; da mesma forma como não parece razoável considerá-lo como depositário de uma transferência eleitoral do governador José Serra (PMDB), porque isso não aconteceu em quase nenhuma capital do país e não há indicações de que tenha ocorrido aqui. A hipótese mais razoável para essa estrondosa vitória é que Kassab ganhou porque o PT perdeu. (...)

Nessa eleição paulistana, não apenas Kassab conseguiu bater recordes históricos. Nunca antes na história do PT paulistano os índices de rejeição do partido chegaram a níveis tão altos - bateram os 40% pouco antes de 26 de outubro, segundo o Ibope. Nunca antes na carreira política de Marta sua rejeição atingiu a proeza dos 50%, como aconteceu agora.

De fato, São Paulo é uma cidade conservadora, mas é difícil atribuir só a isso esses níveis de rejeição.

Principalmente se considerando que o PT, até por essa característica da capital paulista, deu uma radical guinada à direita para tornar-se uma possibilidade de poder. (...).

Alguma barreira muito grande foi interposta entre o eleitor e o PT nessas eleições. A primeira indicação disso é que Marta começou o processo eleitoral com 41% das intenções de voto, caiu para 39% na pesquisa do Ibope feita no fim de agosto e ficou nesse patamar até o fim das eleições. Marta teve 39,3% dos votos no dia 26 de outubro.

Conseguiu agregar à sua votação no primeiro turno apenas 6,69 pontos percentuais, enquanto Kassab praticamente arregimentou a totalidade dos votos dados a outros candidatos no primeiro turno - aumentou 27,11 pontos percentuais.

A primeira conclusão que se pode tirar desse fracasso eleitoral é que Marta, hoje, mais subtrai da votação do partido que agrega, visto que sua rejeição é maior que a do partido. No Rio, o PT, que quase não tem votos, tem uma rejeição de 14%; em Belo Horizonte, é de 18%. (...) Se o conservadorismo fosse um muro intransponível, a que atribuir, por exemplo, a vitória de Luiza Erundina em 1989, ou da própria Marta, em 2000? É mais plausível imaginar que, na tentativa de cativar um eleitorado conservador, a campanha de Marta tenha ido tão para a direita, inclusive assumindo o julgamento moral, moralista mesmo, que tenha levado o eleitor a desconsiderar o fator ideológico na hora de votar, preferindo eleger alguém que não tivesse uma postura tão ofensiva. (...)

A guinada não apenas de Marta, mas de todo o PT paulistano, não foi apenas uma determinação do staff de campanha. É engraçado como as interpretações sobre a imensa derrapada da campanha petista, vinda dos adeptos de sua candidatura, demonstram uma grande identidade com a idéia de que a política é a adesão a uma guerra suja - e tornar-se competitivo, segundo essa idéia, é despojar-se dos escrúpulos e acabar com a "hipocrisia".

A "hipocrisia" seria jogar limpo numa guerra suja. Minha coluna de duas semanas atrás, que comentava a derrapada da campanha de Marta, reproduzida no blog de Luís Nassif, produziu 111 comentários - a maioria esmagadora deles indignada com a "hipocrisia". O argumento básico era o de que, se em algum momento Marta teve a vida devassada na política, adquiriu o direito divino de devassar a vida de quem quer que seja - uma espécie de crédito para fazer julgamentos morais de adversários; se o PT foi vítima disso, Marta, como petista, tem direito de fazer com outros; que é relevante, sim, numa eleição, saber se o candidato é homossexual ou não (não entendi os argumentos que defendem a relevância desse nobre tema).

Para não parecer exagero, cito algumas frases: "comentários desse tipo (de que o homossexualismo não é tema de campanha) ficam melhor lá no esgoto (é estranho mas é isso mesmo: jogar limpo, só lá no esgoto)"; "se Kassab for gay mesmo - eu sempre achei que fosse - é muita hipocrisia essa histeria toda"; "a Marta estimular o povo a ver que, além de mentiroso, o cara é tanga-frouxa, aí é errado?"; "a política é uma guerra e, numa guerra, não há limite e estamos na luta, onde vale tudo"; "agora vem a senhora, com a lição de moral em cima da Marta".

O problema de São Paulo é que os partidos julgam a maior capital do país tão conservadora que, para vencer uma eleição, fazem uma disputa para ver quem é mais conservador do que o outro. Nisso, é impossível ver, por exemplo, qual a diferença entre eles e os ex-malufistas. Quem sabe o fracasso retumbante do PT se explique por aí. Pelo menos, é o que a "dona Maria Inês" (assim fui fartamente chamada pelos simpáticos adeptos do martismo, que reclamam que Maluf a chamava de "dona Marta" em tom depreciativo) acha.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Quem matou Eloá?

A desastrada participação da mídia eletrônica no episódio do seqüestro de Santo André (SP) revela menos sobre o seqüestro do que sobre a própria mídia. O seqüestrador não tinha antecedentes e estava tomado pela emoção. Tornou-se um assassino pela sua inabilidade em lidar com uma situação circunstancial. A televisão, porém, essa incentivou – e provocou – o assassinato.

A mídia tinha inúmeros antecedentes – e estava movida pela cobiça. O seqüestrador vai passar alguns anos numa penitenciária, apanhar bastante, possivelmente ser estuprado e ser devolvido para a sociedade inutilizado. A mídia, nesse período, já terá tirado proveito de várias dezenas de casos semelhantes. Para os programas policialescos, o caso de Santo André será na melhor das hipóteses lembrado como um número. Um bom número que só interessa ao Comercial.

A impunidade de um tipo de "jornalismo" (o nome vai entre aspas para preservar a dignidade da atividade) movido pela hipocrisia, pela estupidez e pela maldade só não é maior que o dinheiro que ele gera. No episódio de Santo André, a mídia (ou uma certa mídia) foi um agente ativo dos acontecimentos. O desfecho só foi possível pela ação direta da cobertura ao vivo da TV sobre o seqüestrador, pela sua capacidade em entronizá-lo como uma rápida celebridade midiática (não mais efêmera do que qualquer outra), de transtorná-lo, de amplificar uma ação criminosa pueril e deixar o seqüestrador sem opções. Tudo, enfim, o que já é conhecido por quem acompanhou o caso.

Não há dúvida possível sobre quem de fato matou a jovem de 15 anos. Para a mídia que matou a jovem não há punição e muito menos remorso. Já na manhã seguinte, as emissoras disputavam o privilégio de falar com a nova advogada do seqüestrador, uma pobre senhora já àquela altura deslumbrada com os holofotes, isca viva de repórteres e "âncoras" à espera da carniça.

Quem saca primeiro

O mau jornalismo que se pratica em boa parte da televisão brasileira tem a perversa característica de não alimentar dúvidas do espectador sobre o que ele está vendo. Ele – que para as emissoras não é um indivíduo, mas um consumidor – dificilmente se dá conta das circunstâncias que levam à espetacularização do fato policial e do que isso representa para a sua banalização.

Os espectadores são levados a acompanhar o desfecho de um seqüestro da mesma forma como acompanham o grand finale de uma série de ficção, sem perceber que ambas estão sendo escritas da mesma maneira: a ficcional tendo como base o papel, a real como matéria-prima a manipulação dos sentimentos dos protagonistas – a audiência e os diretamente envolvidos nos acontecimentos. Uns como os outros, seres humanos.

Na cobertura do dia-a-dia, helicópteros e holofotes acompanham ao vivo até as mais banais rixas de rua, e é um milagre que não as transformem todos os dias em crimes pesados. Isso acontece para gerar um ponto percentual de audiência, e para que isso aconteça os espectadores são induzidos a acreditar na relevância daquelas pequenas disputas.

A má televisão não hesitou um segundo em transformar um obscuro namorado abandonado de 22 anos numa celebridade instantânea, como se fosse um reality show com direitos gratuitos. A morte de uma menina e a destruição de famílias foram corolários espetaculares desse sucesso. Está na hora das suítes, depois os especiais e as matérias requentadas, até que essa mesma televisão transforme outro infeliz no sucesso do momento – e o repórter que sacar primeiro um celular gere aquele 0,1% de audiência capaz de vender algumas caixas de iogurte a mais.

A propósito: como era mesmo o nome completo daquela menina que jogaram pela janela?

sábado, 18 de outubro de 2008

A MANCHETE DOS SONHOS DA MÍDIA: SERRA RESSUSCITA ADOLESCENTE

Dois fatos extraordinários aconteceram nas últimas horas em São Paulo.

No primeiro deles, policiais militares e civis armados se enfrentaram nas proximidades do Palácio dos Bandeirantes.

Como as duas instituições são subordinadas ao Estado de São Paulo, a conclusão é óbvia: há algo de errado com o Estado que permite um acontecimento do gênero. Se os policiais civis em greve usavam viaturas e armamentos, há algo de errado aí. Se o estado mais rico da federação paga os salários mais baixos aos policiais, há algo de errado aí.

No entanto, o que fez a mídia? Jogou a culpa no PT, na CUT e na Força Sindical. A TV Globo fez uma cobertura tão parcial do evento que colegas meus que trabalham lá quase passaram mal.

Está cada vez mais óbvio o engajamento de Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Organizações Globo na campanha eleitoral antecipada do governador de São Paulo, José Serra, ao Planalto.

É inacreditável o nível de omissão, distorção e manipulação informativa a serviço de atacar tudo o que tem relação com o governo federal e de defender todos os interesses políticos e econômicos ligados a José Serra.

No caso do sequestro de Santo André, a polícia cometeu um erro grosseiro e óbvio: permitiu que uma adolescente de 15 anos de idade, libertada, voltasse a se tornar refém. Ela foi ferida com um tiro na boca. É inépcia gritante e evidente.

E a divulgação da morte de uma das reféns pelo governo de São Paulo? Outra demonstração de inépcia absurda.

Mas olhem só a capa da FolhaOnline hoje, sábado: a visita do governador ao hospital é tratada com maior importância do que a vida das próprias adolescentes.

Não apenas com a manchete principal, mas com uma outra, secundária, na mesma página:




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domingo, 12 de outubro de 2008

Mino: As provas são irrefutáveis


Que diria o atento leitor, o cidadão honrado, ao ser informado que o supremo representante da Justiça brasileira compra terrenos de 2 milhões de reais por um quinto do valor? E que diria ao verificar que, ao aliar à atividade de magistrado a de empresário da educação, fecha contratos sem licitação para cursos diversos com entidades estatais as mais variadas, desde a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional até o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação? É de se supor que o cidadão em pauta ficaria entre atônito e espantado.

A mídia nativa aposta porém em leitores rudes e ignaros, que não precisam, ou melhor, não podem e não devem conhecer situações do Brasil 2008 como as acima apontadas. Donde, que Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, aquele que chamou às falas o presidente da República, durma sonos tranqüilos a despeito do clamoroso conflito de interesses revelado pela magistral reportagem de Leandro Fortes, publicada na edição de CartaCapital da semana passada.

A mídia nativa alimenta uma convicção terrível e, ao mesmo tempo, patética: não acontece aquilo que ela não noticia. Por quanto tempo ainda conseguirá enganar muitos cidadãos, por mais honrados e atentos? A verificar. Vale, em todo caso, citar o chamado ombudsman (ombudsman? Estaremos na Suécia?) da Folha de S.Paulo, na sua tentativa de explicar o silêncio do seu jornal em relação às revelações de CartaCapital.

Pergunta-lhe diretamente um leitor por que ignorar fatos tão relevantes, sem deixar de recordar que o célebre grampo da conversa entre Mendes e o senador Demóstenes Torres, até hoje sem prova, teve ampla cobertura da Folha. Responde o ombudsman que, dependesse dele, ambos os assuntos não teriam registro, embora sustente que a reportagem de CartaCapital apenas se refere “a um possível conflito de interesses”.
Possível? Escancarado, indigno de um país que se pretende democrático. Que esperar, no entanto, do ombudsman (esta palavra, insisto, me causa enormes perplexidades) de um jornal que, por exemplo, se esbaldou em casos como o do cartão corporativo da tapioca, enquanto enterrava rapidamente as informações sobre o relacionamento tucano com a Alstom. Seria demais exigir do solerte fâmulo que se perguntasse por que o próprio Gilmar Mendes, ao reagir contra CartaCapital, falasse em “pistolagem jornalística” em lugar de se dizer vítima de mentiras. Não diz porque as provas são contundentes, e um magistrado ao menos sabe disso.

Agora sou eu quem pergunta aos meus pacientes botões qual seria a razão pela qual figuras como Gilmar Mendes, ou como Daniel Dantas, contam com o pronto amparo da mídia nativa. Arrisco-me a um palpite: antes de qualquer outro interesse eventualmente em jogo, trata-se talvez de exercer a proteção corporativa, pontual e inexorável entre aqueles que, de uma forma ou de outra, participam dos mesmos privilégios e os mantêm com a ferocidade necessária. Os donos do poder, dispostos a vender a alma para deixar as coisas como estão.

Há, entre os próprios mestres chamados a transmitir seu saber no instituto de propriedade de Gilmar Mendes e mais dois sócios, quem se prontifique a enaltecer a qualidade dos cursos ali ministrados, em precipitada prática do vitupério. É o de menos. Demais é constatar a obediência à omertà por parte da mídia, a lei do silêncio imposta ao povo siciliano pela Máfia e aqui cumprida pelos senhores midiáticos.

Diz Mendes, de quem supomos mais familiaridade com a lupara do que com a pistola, que CartaCapital serve às conveniências do diretor afastado da Abin, Paulo Lacerda. Pingos nos is. Lacerda, íntegro e competente policial, merece o maior respeito. Afastado injustamente, por obra das insuportáveis pressões do presidente do STF e do ministro da Defesa, Nelson Jobim, já foi convidado a retornar ao cargo pelo presidente da República. Foi o reconhecimento tácito, mas explícito, do erro cometido ao dar ouvidos a dois prepotentes intérpretes da nossa Idade Médi

PF indicia Valério por corrupção e quadrilha

Conhecido como o operador do mensalão, o empresário Marcos Valério foi indiciado ontem pelos crimes de denunciação caluniosa, corrupção ativa e formação de quadrilha. Preso na sexta-feira em Belo Horizonte, ele foi interrogado até 1h30 na Superintendência da PF em São Paulo, para onde foi transferido. A Operação Avalanche, desencadeada por ordem da Justiça Federal, levou à prisão outros 16 acusados de integrar esquema de corrupção ativa e passiva, fraudes fiscais e formação de quadrilha para extorsão de empresários em débito com o Fisco.

Nas três horas e meia de depoimento, a PF insistiu com Valério sobre suas relações com o empresário Walter Faria, presidente da cervejaria Petrópolis. O caixa 2 do mensalão respondeu que conhece Faria há muitos anos e que ultimamente estava ajudando o empresário a localizar um terreno na Grande Belo Horizonte para instalação de uma unidade da fábrica de cerveja. Valério declarou à PF que em contato recente Faria reclamou que estava sofrendo várias autuações tributárias e pediu sua ajuda.

Valério disse que apenas indicou um advogado para cuidar da causa: Ildeu da Cunha Pereira, que também foi preso pela Avalanche. Em agosto, Ildeu foi interceptado pelos federais no Aeroporto de Sorocaba (SP) com R$ 1 milhão em dinheiro vivo. Valério afirmou que não conhece e nunca teve contatos com os delegados da PF em Santos Silvio Salazar e Antonio Vieira Hadano, suspeitos de terem forjado inquérito contra os fiscais da Fazenda estadual Eduardo Fridman e Antônio Carlos Moura Campos, que autuaram a Petrópolis em R$ 104,54 milhões por sonegação de tributos. Em 2007, a cervejaria faturou R$ 1,028 bilhão.

Em nota distribuída na sexta-feira, a Petrópolis informou "não possuir qualquer tipo de contrato com o sr. Marcos Valério" e disse estar à disposição da Justiça.

A PF enquadrou Valério por denunciação caluniosa porque está convencida de que ele foi o articulador da trama contra os fiscais estaduais, alvos de inquérito forjado na PF em Santos.

Valério negou também envolvimento com agentes federais em golpes de extorsão contra empresários em débito com o Fisco. "A suposta participação de Valério nessa história é absolutamente lateral", disse o advogado Marcelo Leonardo, criminalista de Belo Horizonte que defende o empresário. "Não há nenhuma suspeita de envolvimento dele em extorsões."

O advogado disse não ter tido acesso total ao inquérito, o que deve ocorrer na terça-feira. Também no dia 14 vence o prazo de 5 dias da prisão temporária de Valério. Leonardo afirmou que até lá não entrará com pedido de habeas corpus e criticou a imprensa: "Ele não é o alvo principal das investigações e já esclareceu que não teve nenhuma participação nesse esquema".

Valério ficou famoso em 2005, com o mensalão - esquema de propinas à base aliada do governo Lula. O caso está no Supremo Tribunal Federal.